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GLOBO ON LINE NO DIA 27.10.2012
Foto: Felipe Hanower / O Globo
RIO — São cem anos indo e voltando nos céus da Urca. O bondinho do Pão
de Açúcar é hoje o mais velho carioca a fazer aniversário. Para comemorar
tantas histórias, quem prestigiar a grande obra da engenharia brasileria do
começo do século XX ganhará um pedaço de bolo de chocolate. Duas mil fatias
deixarão o passeio de cariocas e turistas mais doce entre 10h e 18h. E cada
centésimo visitante do dia — haverá um contador na bilheteria — será
presenteado com um mini bondinho de resina. O GLOBO também preparou seu
presente para a data: um foto do Rio feita do alto do Pão de Açúcar com o mesmo
ângulo captado pelo fotógrafo Marc Ferrez em 1890. Com espírito desbravador,
Ferrez escalou o morro carioca, marco da cidade desde os primórdios da
colonização portuguesa, carregando cerca de cem quilos de equipamentos, entre
máquina, produtos químicos e chapas.
A viagem de Ferrez durou algumas horas e custou grande esforço. Valeu a
pena: pela primeira vez, viu-se os morros da Urca e da Babilônia, as praias
Vermelha e de Copacabana, a Pedra da Gávea, o Corcovado e uma cidade em
expansão para a Zona Sul do alto do gigante de pedra. Na imagem clicada na
sexta-feira, após seis minutinhos de subida pelo teleférico, a natureza ainda
aparece generosa, mas divide a paisagem com paredões de concreto. A maior
diferença, no entanto, está no bondinho em forma de diamante no seu eterno vai
e vem entre o Pão de Açúcar e o Morro da Urca.
Autor da foto, Felipe Hanower também já escalou o ícone, assim como
feito por Ferrez. A via usada pelo fotógrafo pioneiro, o Costão, é a mais usada
até hoje, embora haja cerca de 300 no complexo da Urca. Antes dele, alguns
outros aventureiras subiram o morro. Era um grande feito para a época, e a
primeira a chegar ao cume do gigante inacessível foi a inglesa Henrietta
Carstairs, em 1817. Ela fincou no alto a Union Jack, bandeira do Reino Unido,
abrindo uma polêmica e uma guerra de bandeiras. Cariocas subiriam em seguida os
396 metros com a bandeira do Reino do Brasil.
O sonho de uma ligação por teleférico só apareceria décadas depois. O
engenheiro Augusto Ferreira Ramos, cuja especialidade era agricultura cafeeira,
teve o estalo quando participou da Exposição Nacional de 1808, aos pés do Morro
da Urca, em comemoração ao centenário da Abertura dos Portos. Pão de Açúcar e
café fizeram a história desse engenheiro de Cantagalo, que colocou o bonde para
fazer sua viagem inaugural em 27 de outubro de 1912, entre a Para Vermelha e o
Morro da Urca. A linha até o Pão de Açúcar começaria a funcionar em janeiro do
ano seguinte. No começo, o passeio custava dois mil réis, ou cerca de R$ 9
hoje, segundo cálculos do professor Moacyr Alvim, da Fundação Getúlio Vargas.
Famosos e anônimos deixaram sua marca no monumento, de Sir Roger Moore,
ator britânico que interpretou cena eletrizante no bondinho em “007 Contra o
Foguete da Morte”, de 1979, ao engenheiro Giuseppe Pellegrini, de 74 anos,
diretor técnico da Companhia Caminho Aéreo Pão de Açúcar.
— No final desse mês, dias depois dos 100 anos do bondinho, faço 50 anos
de trabalho aqui. Quando o bondinho fez 50 anos, houve uma festividade. Eu era
montanhista praticante e os montanhistas fizeram uma solenidade, chamada
concentração, que é a escalada pelas várias paredes que tinha naquela época. Participei
de outras atividades e no final fui chamado para trabalhar no Pão de Açúcar —
conta um dos maiores especialistas do bondinho e de escaladas no Pão de Açúcar:
são mais de três mil.
Os caminhos do Pão de Açúcar guardam áreas de Mata Atlântica e ainda
algo curioso para os escaladores: desde o século XIX que são encontradas balas
de canhão nas vias usadas pelos alpinistas. Domingos Sávio Teixeira, alpinista
amador que há dez anos faz, sozinho(*), o reflorestamento da face leste do Pão de
Açúcar, já encontrou cerca de 15 peças do tipo. Elas foram entregues ao Museu
Histórico da Fortaleza de São João, onde estão expostas:
— Ou elas foram de escaramuças dos franceses ou se fazia exercício de
tiro na pedra do Pão de Açúcar, lá da Fortaleza de Santa Cruz — explica o
coronel Thadeu Marques de Macedo, diretor do museu.
Mas o esforço de Domingos Sávio é voltado para a recuperação e manutenção
das áreas verdes de parte do Pão de Açúcar, exuberantes na foto de Marc Ferrez.
Todos os finais de semana ele dedica um dia inteiro ao trabalho solitário, que
resultou até agora no plantio de cinco mil mudas de espécies da Mata Atlântica:
— O trabalho é basicamente individual. Uma vez por mês promovo um
mutirão que tem o objetivo de despertar nas pessoas essa relação com o meio
ambiente.
Quem quiser viver a mesma emoção dos primeiros a viajarem no bondinho,
como há um século, desembolsará R$ 53. Atenção com os horários: por causa das
comemorações, que incluirão um jantar fechado com autoridades e personalidades
ligadas ao bondinho, a bilheteria neste sábado será encerrada às 16h50m e a
última viagem (Morro da Urca-Praia Vermelha) ocorrerá às 18h. Também faz parte
da programação de aniversário a Exposição 100 anos Bondinho, que será aberta
durante o jantar deste sábado. Projeções com imagens de 1908 a 2012 serão
divididas entre as quatro estações do ponto turístico. No Morro da Urca, haverá
painéis sobre eventos, como o Noites Cariocas, e personalidades que já passaram
pelo monumento. A viagem ao passado terminará no Pão de Açúcar com a Cápsula do
Tempo. No espaço, o visitante poderá deixar sua mensagem sobre o que espera do
futuro. A exposição ficará até o dia 31 de março de 2013.
(*) Aqui a repórter se equivocou. Eu não disse que faço sozinho o reflorestamento na face leste ou da face leste do Pão de Açúcar, e sim que adotei duas áreas na face leste e nessas áreas, assumi sozinho a recuperação ambiental. Existem outros voluntários que também adotaram áreas na face leste, como o casal Nóbile e Sática e ainda o Mário Senna.