ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DAS PLANTAS SOBRE AS ROCHAS
Por Katia Torres Ribeiro
As rochas estão por todo lugar, e hoje são um dos ambientes terrestres mais bem preservados de todo o planeta, sendo assim importantes refúgios para muitas plantas sensíveis ao fogo, ao gado e a várias outras atividades humanas. Na África do Sul, por exemplo, país quase todo varrido por incêndios, as plantas sensíveis ao fogo estão quase sempre confinadas nas paredes rochosas; na China acontece o mesmo, seu território foi praticamente todo convertido em áreas de agricultura, e somente as rochas e as montanhas elevadas abrigam uma vegetação original, mesmo assim bastante atingida pelos caçadores de bonsais[1].
Em diversos estados do Brasil, principalmente no nordeste, toda a área plana foi convertida também em pastos ou plantações, e muitas vertentes de montanhas são alcançadas pelas cabras e pelo fogo, de modo que a escassa vegetação original fica quase sempre restrita às paredes rochosas de difícil acesso[2]. Em um levantamento desse tipo de vegetação feito no maciço do Itatiaia, foram encontradas 114 espécies em apenas 800m2, que representam cerca de 25% do total de espécies do planalto[3],[4]. No incêndio de 2001, as manchas de vegetação sobre rocha não queimaram, o que mostra mais uma vez a importância das rochas como refúgio para muitas plantas.
A divulgação e crescente popularização dos esportes de aventura e ao ar livre vêm ameaçando as áreas naturais em geral, e também a vegetação sobre rocha, que tem aí seu maior fator de impacto[1],[5], pelo menos nas zonas temperadas. No Brasil, é freqüente também a retirada de plantas para o comércio ilegal, e são muitos os relatos de incêndios propositais nas paredes rochosas no nordeste e no Espírito Santo[6], bem de acordo com a piromania nacional.
O que as plantas sobre rocha têm de especial? As plantas encontradas nos paredões podem ser rupícolas, quando crescem diretamente sobre a rocha, ou saxícolas, quando se localizam em pequenos platôs ou fendas com solo. Nessas situações, a água que chega escoa rapidamente e os nutrientes são escassos. Por isso, as plantas crescem bem devagar, e muitas têm adaptações especiais para lidar com a escassez de água, como é o caso dos cactos e bromélias formadoras de tanques, que armazenam água, ou das orquídeas e bromélias do gênero Tillandsia, que conseguem captar rapidamente a umidade das nuvens, ou ainda as velózias (canelas-de-ema) e capins-ressurreição, que toleram a dessecação violenta das folhas com posterior re-hidratação das mesmas folhas. Algumas plantas são tão especializadas neste ambiente limitante que continuam crescendo devagar, mesmo se adubadas e irrigadas1. A bromélia Vriesea goniorachis, aquela espécie de folhas pontudas, comum nas faces norte dos morros do Rio de Janeiro, faz parte de um dos grupos mais especializados no hábito rupícola, ainda muito pouco estudado taxonomicamente (no que diz respeito à distinção entre as espécies e seus nomes), mas se sabe que cresce de forma extremamente lenta e resiste à adubação também[7].
Não é fácil se fixar na rocha. Imaginem quantas sementes se perdem por secura ou enxurrada para que uma se fixe e, finalmente, cresça. Basta observar uma via inacabada na face S do Pão de Açúcar, o Paredão Universal, para constatá-lo: ela começou a ser conquistada na década de 60, mas depois foi abandonada e até hoje não apresenta sinal claro de recuperação da vegetação luxuriante que cobre esta face úmida da montanha.
É muito difícil para uma semente conseguir viajar de uma montanha para outra e, além disso, chegar a germinar. Talvez por isso haja tantas plantas que são específicas de uma ou de poucas montanhas adjacentes. Plantas em diferentes montanhas, quando não trocam sementes ou pólens, vão se tornando cada vez mais diferentes até que formam espécies distintas, e assim surgem os muitos casos de endemismo restrito (espécies só encontradas em uma única montanha).
Depois que algumas espécies mais tolerantes se fixam, começa a haver a interceptação de partículas de rocha, de húmus e detritos de plantas, e assim surge um protossolo, em que vão crescer outras plantas, como algumas gesneriáceas, bromélias e aráceas. Em geral, há primeiro a entrada de liquens e musgos, que crescem extremamente devagar (alguns liquens crescem apenas 1mm por ano!). Essas plantinhas minúsculas vão decompondo a rocha química e fisicamente, e vão juntando um pouco de solo embaixo de si, e assim também ajudam as sementes das outras espécies a se fixar. Estas então germinam e começam a crescer de forma bastante lenta também. Algumas delas crescem prostradas na rocha, e formam algo parecido com um tapete, que ajudam ainda mais a fixar partículas de solo, e mais e mais espécies conseguem se estabelecer ali. No entanto, muitas vezes esses extensos tapetes estão precariamente presos na rocha, quase que apenas aderidos, e sua retirada, bastante fácil, interrompe um processo de décadas ou mesmo de séculos de duração.
Em resumo, podemos dizer que essas espécies crescem devagar, têm dificuldade de estabelecimento (germinação + fixação) e, portanto, ``investem'' na longevidade. Estas plantas são, no mais das vezes, muito velhas! Ruy Alves[8], pesquisador do Museu Nacional do Rio de Janeiro, estimou a idade das canelas-de-ema do Pão de Açúcar, aquelas pequenas plantas de flores brancas (Vellozia candida) no caminho do Costão e Paredão São Bento, em cerca de 150 anos, e em cerca de 500 anos as canelas-de-ema gigantes da Serra do Cipó. Larson e colaboradores1, que são biólogos e também escaladores, do Canadá, mostram fotos de árvores encravadas em fendas das falésias de Niágara, totalmente depredadas por rapéis feitos em suas raízes e caules (além de podas de galhos para dar passagem cômoda), sendo que algumas tinham 1700 anos de idade e eram pequeninas como arbustos! Casos similares de árvores antigas podem ser possivelmente encontrados nas grotas e fendas das montanhas altas do Brasil, mas ainda não se têm dados sobre as mesmas.
Por que as montanhas têm plantas diferentes umas das outras? Muitos fatores determinam quais plantas podem ser encontradas em uma certa montanha. Além do acaso e das chances das sementes terem chegado lá, as plantas são afetadas pelo regime de luz, pela rugosidade da rocha (tamanho dos cristais da rocha e forma de fragmentação), presença de fendas e outras concavidades, composição química da rocha e outros detalhes do relevo, além da presença de dispersores e polinizadores. Plantas muito diferentes são encontradas sobre quartzito, granito ou arenito, por exemplo[9].
Também é bastante evidente o papel da insolação, da declividade e da umidade. No hemisfério sul, as paredes voltadas para o norte são as que recebem mais horas de sol e, nos trópicos, menos espécies conseguem crescer nestas faces, por conta do calor e da falta d´água. O contrário acontece nas regiões frias, onde mais espécies são encontradas nas faces que recebem mais sol. A declividade também define bastante quais espécies podem ser encontradas. Algumas delas só conseguem crescem em paredes verticais, enquanto outras dependem de um pouco de terra, e são mais comuns nas paredes menos inclinadas (as grandes bromélias, muitas canelas-de-ema). A umidade depende dos ventos, da insolação e da declividade da rocha, principalmente. Às vezes podem ser encontradas grandes diferenças em umidade em paredes próximas, como é o caso dos morros ao longo do litoral do Rio de Janeiro. As faces voltadas para o sul são geralmente atingidas por ventos vindos do mar, úmidos, e por conta disso, a vegetação nessas faces costuma ser luxuriante, com muitas espécies e grande densidade. Das 12 espécies de orquídeas existentes nas rochas do Pão de Açúcar, apenas duas ocorrem na vertente norte, enquanto as outras 10 habitam apenas as vertentes voltadas para o quadrante sul[10].
A vegetação sobre rocha do sudeste do Brasil e de outros países tropicais da América do Sul é extremamente diversa, e rica em endemismos[2]. Embora as rochas do oeste da África sejam por vezes muito similares às do Brasil, lá as mesmas espécies tendem a ser encontradas em longas distâncias, e muitos afloramentos rochosos compartilham aproximadamente os mesmos conjuntos de espécies. No Brasil, cada montanha ou conjunto de montanhas tem suas espécies particulares, principalmente de bromélias, orquídeas, samambaias e canelas-de-ema.
A fragilidade da vegetaçãoEssa vegetação sobreviveu relativamente bem até hoje, mas na verdade é extremamente frágil. A fragilidade tem dois componentes importantes: a facilidade para remover a vegetação (resistência) e o tempo que ela leva para se recuperar (resiliência)[11]. Para retirar a vegetação sobre rocha não são necessárias nem grandes ferramentas, nem tratores, nem fogo, como em uma floresta. Basta a habilidade de subir (ou descer...) na rocha e a força de algumas pessoas, ou mesmo a passagem freqüente de cordas para causar um grande estrago. Já o tempo para a vegetação se reconstituir por meios naturais ainda não foi estimado, mas é certamente muito longo. Em locais com muitas fendas a vegetação pode voltar ao que era antes em menos de 100 anos[12], mas em superfícies lisas os processos são mais lentos. Esses tempos não foram medidos ainda justamente por estarem além da duração das nossas vidas, e pelo fato dessa vegetação muitas vezes ter sido vista com baixo interesse.
A recuperação destas áreas é impressionantemente difícil e lenta, e no caso de se querer apressá-la, muito cara. O que é destruído agora tem de ser considerado como perda total, a não ser que sejam implementados programas intensivos de recuperação.
A velocidade com que novas vias vêm sendo estabelecidas ameaça a estabilidade da vegetação e mesmo a existência de muitas espécies, e é preciso lutar por normas de conduta que minimizem o impacto em vias novas ou já criadas, ao mesmo tempo em que se tenta determinar um patamar máximo de retirada de vegetação das paredes.
Infelizmente, com os dados de que dispomos hoje, que são poucos, não é possível estabelecer limites de uso com muita objetividade. Os trabalhos de Rogério de Oliveira[13] foram os únicos no Brasil a fazerem uma amostragem sistemática das plantas sobre rocha também nas faces mais íngremes. Em geral, as coletas botânicas e os estudos ecológicos feitos com estas plantas se restringem às partes das montanhas que são alcançadas a pé com facilidade por um leigo em escaladas. Por esta razão, estima-se que quase todos os conjuntos de morros e montanhas no sudeste do Brasil têm espécies novas ainda por descobrir e descrever.
É mais fácil destruir e não se importar com plantas que parecem um simples mato. E o que é o mato? Pra maior parte das pessoas, é aquilo que vive em qualquer lugar, que cresce em abundância, que ``dá como mato''. Decididamente este não é o caso das plantas sobre rocha, muitas delas assim tão pequenas e na verdade mais velhas que nossas bisavós, e que conhecemos tão pouco. É responsabilidade de todos nós poupar e ensinar os outros a proteger essa vegetação da nossa sempre crescente velocidade.
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Referências[1] Larson, D.W., Matthes, U. & Kelly, P.E. (2000) Cliff Ecology. Pattern and Process in Cliff Ecosystems. Cambridge Studies in Ecology. Cambridge University Press, Cambridge. 340p.
[2] Porembski, S., Martinelli, G., Ohlemuller, R. e Barthlott, W. (1998) Diversity and ecology of saxicolousvegetation mats on inselbergs in brazilian Atlantic forest. Diversity and Distributions, 4, 107-119.
[3] Ribeiro, K.T., Medina. B.O. e Scarano, F.R. (2001) Rupicolous vegetation of the Itatiaia Plateau: Floristic composition, endemism and its relationship with the Atlantic Forest, Journal of Biogeography.
[4] Martinelli, G. & Vaz, M.S. (1988) Padrões fitogeográficos em Bromeliaceae dos campos de altitude da floresta pluvial costeira do Brasil, no estado do Rio de Janeiro. Rodriguésia, 64/66, 3-10.
[5] Nuzzo, V.A. (1996) Structure of cliff vegetation on exposed cliffs and the effect of rock climbing. Canadian Journal of Botany, 74, 607-617.
[6] Relatos de André Ilha, Kate Benedict e Pedro Nahoum
[7] Informação de Pedro Nahoum.
[8] Alves, R.J.V. (1994) Morphological age determination and longevity in some Vellozia populations in Brazil. Folia Geobotanica Phytotaxa Praha, 29, 55-59.
[9] Porembski, S., Barthlott, W., Dörrstock, S. & Biedinger, N. (1994) Vegetation of rock outcrops in Guinea: granite inselbergs, sandstone table mountains and ferricretes - remarks on species numbers and endemism. Flora, 189, 315-326.
[10] Miranda, F.E.L. e Oliveira, R.O. (1983). Orquídeas rupícolas do Morro do Pão de Açúcar, Rio de Janeiro. Atas da Sociedade Botânica do Brasil, 18, 99-106.
[11] Begon, M., Harper, J.L. e Townsend, C.R. (1996) Ecology, 3rd edn, Blackwell Science Ltd, Oxford.
[12] Ursic, K., Kenkel, N.C. e Larson, D.W. (1997) Revegetation dynamics of cliff faces in abandoned limestone quarries. Journal of Applied Ecology, 34, 289-303.
[13] Carauta, J.P.P. e Oliveira, R.R. (1984) Plantas vasculares dos morros da Urca, Pão de Açúcar e Cara de Cão. Rodriguésia, 36, 13-24.
Por Katia Torres Ribeiro
As rochas estão por todo lugar, e hoje são um dos ambientes terrestres mais bem preservados de todo o planeta, sendo assim importantes refúgios para muitas plantas sensíveis ao fogo, ao gado e a várias outras atividades humanas. Na África do Sul, por exemplo, país quase todo varrido por incêndios, as plantas sensíveis ao fogo estão quase sempre confinadas nas paredes rochosas; na China acontece o mesmo, seu território foi praticamente todo convertido em áreas de agricultura, e somente as rochas e as montanhas elevadas abrigam uma vegetação original, mesmo assim bastante atingida pelos caçadores de bonsais[1].
Em diversos estados do Brasil, principalmente no nordeste, toda a área plana foi convertida também em pastos ou plantações, e muitas vertentes de montanhas são alcançadas pelas cabras e pelo fogo, de modo que a escassa vegetação original fica quase sempre restrita às paredes rochosas de difícil acesso[2]. Em um levantamento desse tipo de vegetação feito no maciço do Itatiaia, foram encontradas 114 espécies em apenas 800m2, que representam cerca de 25% do total de espécies do planalto[3],[4]. No incêndio de 2001, as manchas de vegetação sobre rocha não queimaram, o que mostra mais uma vez a importância das rochas como refúgio para muitas plantas.
A divulgação e crescente popularização dos esportes de aventura e ao ar livre vêm ameaçando as áreas naturais em geral, e também a vegetação sobre rocha, que tem aí seu maior fator de impacto[1],[5], pelo menos nas zonas temperadas. No Brasil, é freqüente também a retirada de plantas para o comércio ilegal, e são muitos os relatos de incêndios propositais nas paredes rochosas no nordeste e no Espírito Santo[6], bem de acordo com a piromania nacional.
O que as plantas sobre rocha têm de especial? As plantas encontradas nos paredões podem ser rupícolas, quando crescem diretamente sobre a rocha, ou saxícolas, quando se localizam em pequenos platôs ou fendas com solo. Nessas situações, a água que chega escoa rapidamente e os nutrientes são escassos. Por isso, as plantas crescem bem devagar, e muitas têm adaptações especiais para lidar com a escassez de água, como é o caso dos cactos e bromélias formadoras de tanques, que armazenam água, ou das orquídeas e bromélias do gênero Tillandsia, que conseguem captar rapidamente a umidade das nuvens, ou ainda as velózias (canelas-de-ema) e capins-ressurreição, que toleram a dessecação violenta das folhas com posterior re-hidratação das mesmas folhas. Algumas plantas são tão especializadas neste ambiente limitante que continuam crescendo devagar, mesmo se adubadas e irrigadas1. A bromélia Vriesea goniorachis, aquela espécie de folhas pontudas, comum nas faces norte dos morros do Rio de Janeiro, faz parte de um dos grupos mais especializados no hábito rupícola, ainda muito pouco estudado taxonomicamente (no que diz respeito à distinção entre as espécies e seus nomes), mas se sabe que cresce de forma extremamente lenta e resiste à adubação também[7].
Não é fácil se fixar na rocha. Imaginem quantas sementes se perdem por secura ou enxurrada para que uma se fixe e, finalmente, cresça. Basta observar uma via inacabada na face S do Pão de Açúcar, o Paredão Universal, para constatá-lo: ela começou a ser conquistada na década de 60, mas depois foi abandonada e até hoje não apresenta sinal claro de recuperação da vegetação luxuriante que cobre esta face úmida da montanha.
É muito difícil para uma semente conseguir viajar de uma montanha para outra e, além disso, chegar a germinar. Talvez por isso haja tantas plantas que são específicas de uma ou de poucas montanhas adjacentes. Plantas em diferentes montanhas, quando não trocam sementes ou pólens, vão se tornando cada vez mais diferentes até que formam espécies distintas, e assim surgem os muitos casos de endemismo restrito (espécies só encontradas em uma única montanha).
Depois que algumas espécies mais tolerantes se fixam, começa a haver a interceptação de partículas de rocha, de húmus e detritos de plantas, e assim surge um protossolo, em que vão crescer outras plantas, como algumas gesneriáceas, bromélias e aráceas. Em geral, há primeiro a entrada de liquens e musgos, que crescem extremamente devagar (alguns liquens crescem apenas 1mm por ano!). Essas plantinhas minúsculas vão decompondo a rocha química e fisicamente, e vão juntando um pouco de solo embaixo de si, e assim também ajudam as sementes das outras espécies a se fixar. Estas então germinam e começam a crescer de forma bastante lenta também. Algumas delas crescem prostradas na rocha, e formam algo parecido com um tapete, que ajudam ainda mais a fixar partículas de solo, e mais e mais espécies conseguem se estabelecer ali. No entanto, muitas vezes esses extensos tapetes estão precariamente presos na rocha, quase que apenas aderidos, e sua retirada, bastante fácil, interrompe um processo de décadas ou mesmo de séculos de duração.
Em resumo, podemos dizer que essas espécies crescem devagar, têm dificuldade de estabelecimento (germinação + fixação) e, portanto, ``investem'' na longevidade. Estas plantas são, no mais das vezes, muito velhas! Ruy Alves[8], pesquisador do Museu Nacional do Rio de Janeiro, estimou a idade das canelas-de-ema do Pão de Açúcar, aquelas pequenas plantas de flores brancas (Vellozia candida) no caminho do Costão e Paredão São Bento, em cerca de 150 anos, e em cerca de 500 anos as canelas-de-ema gigantes da Serra do Cipó. Larson e colaboradores1, que são biólogos e também escaladores, do Canadá, mostram fotos de árvores encravadas em fendas das falésias de Niágara, totalmente depredadas por rapéis feitos em suas raízes e caules (além de podas de galhos para dar passagem cômoda), sendo que algumas tinham 1700 anos de idade e eram pequeninas como arbustos! Casos similares de árvores antigas podem ser possivelmente encontrados nas grotas e fendas das montanhas altas do Brasil, mas ainda não se têm dados sobre as mesmas.
Por que as montanhas têm plantas diferentes umas das outras? Muitos fatores determinam quais plantas podem ser encontradas em uma certa montanha. Além do acaso e das chances das sementes terem chegado lá, as plantas são afetadas pelo regime de luz, pela rugosidade da rocha (tamanho dos cristais da rocha e forma de fragmentação), presença de fendas e outras concavidades, composição química da rocha e outros detalhes do relevo, além da presença de dispersores e polinizadores. Plantas muito diferentes são encontradas sobre quartzito, granito ou arenito, por exemplo[9].
Também é bastante evidente o papel da insolação, da declividade e da umidade. No hemisfério sul, as paredes voltadas para o norte são as que recebem mais horas de sol e, nos trópicos, menos espécies conseguem crescer nestas faces, por conta do calor e da falta d´água. O contrário acontece nas regiões frias, onde mais espécies são encontradas nas faces que recebem mais sol. A declividade também define bastante quais espécies podem ser encontradas. Algumas delas só conseguem crescem em paredes verticais, enquanto outras dependem de um pouco de terra, e são mais comuns nas paredes menos inclinadas (as grandes bromélias, muitas canelas-de-ema). A umidade depende dos ventos, da insolação e da declividade da rocha, principalmente. Às vezes podem ser encontradas grandes diferenças em umidade em paredes próximas, como é o caso dos morros ao longo do litoral do Rio de Janeiro. As faces voltadas para o sul são geralmente atingidas por ventos vindos do mar, úmidos, e por conta disso, a vegetação nessas faces costuma ser luxuriante, com muitas espécies e grande densidade. Das 12 espécies de orquídeas existentes nas rochas do Pão de Açúcar, apenas duas ocorrem na vertente norte, enquanto as outras 10 habitam apenas as vertentes voltadas para o quadrante sul[10].
A vegetação sobre rocha do sudeste do Brasil e de outros países tropicais da América do Sul é extremamente diversa, e rica em endemismos[2]. Embora as rochas do oeste da África sejam por vezes muito similares às do Brasil, lá as mesmas espécies tendem a ser encontradas em longas distâncias, e muitos afloramentos rochosos compartilham aproximadamente os mesmos conjuntos de espécies. No Brasil, cada montanha ou conjunto de montanhas tem suas espécies particulares, principalmente de bromélias, orquídeas, samambaias e canelas-de-ema.
A fragilidade da vegetaçãoEssa vegetação sobreviveu relativamente bem até hoje, mas na verdade é extremamente frágil. A fragilidade tem dois componentes importantes: a facilidade para remover a vegetação (resistência) e o tempo que ela leva para se recuperar (resiliência)[11]. Para retirar a vegetação sobre rocha não são necessárias nem grandes ferramentas, nem tratores, nem fogo, como em uma floresta. Basta a habilidade de subir (ou descer...) na rocha e a força de algumas pessoas, ou mesmo a passagem freqüente de cordas para causar um grande estrago. Já o tempo para a vegetação se reconstituir por meios naturais ainda não foi estimado, mas é certamente muito longo. Em locais com muitas fendas a vegetação pode voltar ao que era antes em menos de 100 anos[12], mas em superfícies lisas os processos são mais lentos. Esses tempos não foram medidos ainda justamente por estarem além da duração das nossas vidas, e pelo fato dessa vegetação muitas vezes ter sido vista com baixo interesse.
A recuperação destas áreas é impressionantemente difícil e lenta, e no caso de se querer apressá-la, muito cara. O que é destruído agora tem de ser considerado como perda total, a não ser que sejam implementados programas intensivos de recuperação.
A velocidade com que novas vias vêm sendo estabelecidas ameaça a estabilidade da vegetação e mesmo a existência de muitas espécies, e é preciso lutar por normas de conduta que minimizem o impacto em vias novas ou já criadas, ao mesmo tempo em que se tenta determinar um patamar máximo de retirada de vegetação das paredes.
Infelizmente, com os dados de que dispomos hoje, que são poucos, não é possível estabelecer limites de uso com muita objetividade. Os trabalhos de Rogério de Oliveira[13] foram os únicos no Brasil a fazerem uma amostragem sistemática das plantas sobre rocha também nas faces mais íngremes. Em geral, as coletas botânicas e os estudos ecológicos feitos com estas plantas se restringem às partes das montanhas que são alcançadas a pé com facilidade por um leigo em escaladas. Por esta razão, estima-se que quase todos os conjuntos de morros e montanhas no sudeste do Brasil têm espécies novas ainda por descobrir e descrever.
É mais fácil destruir e não se importar com plantas que parecem um simples mato. E o que é o mato? Pra maior parte das pessoas, é aquilo que vive em qualquer lugar, que cresce em abundância, que ``dá como mato''. Decididamente este não é o caso das plantas sobre rocha, muitas delas assim tão pequenas e na verdade mais velhas que nossas bisavós, e que conhecemos tão pouco. É responsabilidade de todos nós poupar e ensinar os outros a proteger essa vegetação da nossa sempre crescente velocidade.
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Referências[1] Larson, D.W., Matthes, U. & Kelly, P.E. (2000) Cliff Ecology. Pattern and Process in Cliff Ecosystems. Cambridge Studies in Ecology. Cambridge University Press, Cambridge. 340p.
[2] Porembski, S., Martinelli, G., Ohlemuller, R. e Barthlott, W. (1998) Diversity and ecology of saxicolousvegetation mats on inselbergs in brazilian Atlantic forest. Diversity and Distributions, 4, 107-119.
[3] Ribeiro, K.T., Medina. B.O. e Scarano, F.R. (2001) Rupicolous vegetation of the Itatiaia Plateau: Floristic composition, endemism and its relationship with the Atlantic Forest, Journal of Biogeography.
[4] Martinelli, G. & Vaz, M.S. (1988) Padrões fitogeográficos em Bromeliaceae dos campos de altitude da floresta pluvial costeira do Brasil, no estado do Rio de Janeiro. Rodriguésia, 64/66, 3-10.
[5] Nuzzo, V.A. (1996) Structure of cliff vegetation on exposed cliffs and the effect of rock climbing. Canadian Journal of Botany, 74, 607-617.
[6] Relatos de André Ilha, Kate Benedict e Pedro Nahoum
[7] Informação de Pedro Nahoum.
[8] Alves, R.J.V. (1994) Morphological age determination and longevity in some Vellozia populations in Brazil. Folia Geobotanica Phytotaxa Praha, 29, 55-59.
[9] Porembski, S., Barthlott, W., Dörrstock, S. & Biedinger, N. (1994) Vegetation of rock outcrops in Guinea: granite inselbergs, sandstone table mountains and ferricretes - remarks on species numbers and endemism. Flora, 189, 315-326.
[10] Miranda, F.E.L. e Oliveira, R.O. (1983). Orquídeas rupícolas do Morro do Pão de Açúcar, Rio de Janeiro. Atas da Sociedade Botânica do Brasil, 18, 99-106.
[11] Begon, M., Harper, J.L. e Townsend, C.R. (1996) Ecology, 3rd edn, Blackwell Science Ltd, Oxford.
[12] Ursic, K., Kenkel, N.C. e Larson, D.W. (1997) Revegetation dynamics of cliff faces in abandoned limestone quarries. Journal of Applied Ecology, 34, 289-303.
[13] Carauta, J.P.P. e Oliveira, R.R. (1984) Plantas vasculares dos morros da Urca, Pão de Açúcar e Cara de Cão. Rodriguésia, 36, 13-24.